Por ser tão cheia de mistérios, a teoria quântica tem sido invocada por leigos e até por alguns cientistas para tentar "explicar" fenômenos supostamente existentes, como telepatia, psicocinese, reincarnação, inconsciente coletivo, vida após a morte, universos paralelos, e até extraterrestres. Alguns, famosos, como o genial físico britânico Roger Penrose, têm proposto teorias totalmente estapafúrdias sobre o papel dos fenômenos quânticos na gênese da consciência, e escrito tratados e artigos pretensamente sérios sobre o assunto. Pelo fato de serem cientistas bem sucedidos em suas áreas de pesquisa, adicionam um peso muito grande às suas posições, impressionando leigos e a imprensa com suas posições.
O problema é que não existe nenhuma comprovação científica séria para suas afirmações. Isso acontece porque os fenômenos em nível quântico ocorrem em escala sub-atômica, e praticamente náo tem nenhuma influência direta sobre fenômenos biológicos, como o funcionamento do cérebro, que acontecem em uma macro-escala bilhões de vezes maior.
Esta semana, infelizmente, tive a oportunidade de assistir a uma personalidade de grande prestígio, o astronauta Edgar Mitchell, um dos pouquissimos seres humanos que esteve na Lua, dar uma palestra em Sáo Paulo, em um congresso de redes de computadores, sobre uma suposta nova "teoria" científica, por ele denominada "holograma quântico". Mitchell não é um astronauta comum: ele é engenheiro, tem um doutorado em aeronáutica por uma das melhores instituições científicas do mundo, o MIT, e acumula dezenas de doutorados honorários, prêmios e honrarias científicas, inclusive a Medal of Freedom do governo americano. Portanto, não é um leigo qualquer, que dá opiniões não substanciadas.
Utilizando uma linguagem densa, de difícil compreensão, e misturando num saco só um monte de conceitos e descobertas válidas e conhecidas, sem nexo e conexão umas com as outras, o Dr. Mitchell espantou e mistificou totalmente a audiência, composta em grande parte por jovens estudantes de graduação e pós-graduação de engenharia e de computação.
E é justamente aí que reside o problema. Ofuscados pela linguagem hermética e aparentemente séria, pessoas jovens e influenciáveis, e que já têm uma certa tendência a acreditar em esoterismos, acabam aceitando entusiasticamente essas idéias, sem exercer uma postura crítica e cética em relação às mesmas. A autoridade do palestrante ou escritor serve de poderoso incentivo a essa aceitação, o que é mais perigoso ainda. É claro que Mitchell, Penrose, e outros proponentes dessas teorias estranhas têm o direito de apresentá-las publicamente. Eles mesmos são os primeiros a invocar o fantasma de Galileu Galilei, como um exemplo dos milhares de cientistas que tiveram suas idéias inicialmente rejeitadas, por vezes por séculos, antes que fossem universalmente aceitas e comprovadas como sendo verdadeiras.
Esse negócio de invocar tênues e insustentáveis explicações pseudocientíficas, mas calcadas na poderosa linguagem da ciência convencional revela confusão mental e desconhecimento de como ela é feita e praticada, e tem se tornado cada vez mais comum. Pelo que pude entender da teoria do tal de holograma quântico, ela é capaz de explicar tudo, desde o efeito dos remédios homeopáticos até a consciência e a linguagem. Isso é bem característicos de pseudoteorias apresentadas, defendidas e rejeitadas ao longo dos séculos. Isso não existe. Devemos desconfiar de teorias que tenham tamanho poder de explicação e abrangência: o mais provável é que elas são fruto do mero entusiasmo e interesses investidos pelo seu defensor, do que alguma coisa real e comprovável.
Felizmente, à medida em que os nossos exploradores científicos conquistam mais terrenos envoltos em névoa e penumbra, e desvendam novos e esclarecedores conhecimentos para o mundo, essas pseudoteorias acabam por ser esquecidas, e são delegadas ao lixo da história, que é onde muitas merecem estar.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 5/7/2001.
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