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Uma sociedade de céticos

Renato Sabbatini

Nas minhas últimas colunas no Correio Popular ("Curas milagrosas e a Medicina", "Ávidas credulidades") e em muitas outras vezes ao longo dos oito anos em que eu escrevo semanalmente para este jornal, apresentei e discutí com os leitores um tema que me preocupa muito, e que poderíamos chamar de "desmistificação da pseudociência".

Como todo mundo pode notar, a presença de temas de ocultismo, esoterismo, paranormalidade, abordagens "alternativas", crendices, mitos, etc. têm crescido fortemente na mídia. Isso acontece por uma série de razões, incluindo-se o sensacionalismo puro e simples, a percepção de que é "o que a população gosta", ou a falta de informação científica por parte dos repórteres e editores. Existem, é claro, muitos exemplos de reportagens necessárias, no sentido do "interesse jornalístico", ou seja, qualquer tema que esteja sendo de interesse da sociedade, deve e merece ser exposto nos programas de rádio e TV, jornais e revistas. A meu ver, no entanto, a isenção e a imparcialidade, a visão equilibrada dos dois lados deve sempre predominar na composição e na apresentação dessas matérias. Infelizmente, não é o que está acontecendo, com conseqüências deletérias, principalmente para as pessoas que têm pouca informação a respeito.

Um dos motivos desse verdadeiro assalto à razão e ao conhecimento é de culpa exclusiva dos cientistas e das pessoas racionais, que não concordam com a "ávida credulidade" que caracteriza nossos tempos. Ninguém reage, com raríssimas exceções. Nenhum cientista acha que vale a pena sair do seu confortável refúgio acadêmico para confrontar esse tipo de coisa. As alegações, pseudofatos, interpretações tendenciosas e entusiasmo ingênuo dos aderentes da pseudociência e do esoterismo ficam totalmente sem resposta. No entanto, nos Estados Unidos e Europa existe uma longa tradição de "debunking", como eles chamam essa atividade de desmistificação e denúncia da pseudociência. São verdadeiros heróis, cavaleiros andantes da ciência, como Carl Sagan, James Randi, Martin Gardner, Isaac Asimov, Paul Kurtz, Phillip Klass e outros, que investem contra a maré da pseudociência em livros, revistas e em cartas contundentes à mídia que se atreve a divulgar os "alternativos" de forma pouco crítica.

Além disso, essa turma se organiza de forma admirável em um poderoso movimento internacional de resistência e denúncia, e que se intitula "céticos" ou "racionalistas". São centenas de associações em todo o mundo, a começar pela CSICOP, o famoso Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal (Comitê para a Investigação Científica das Alegações de Paranormalidade), fundado por Paul Kurtz e Carl Sagan, entre outros (seu site na Internet é http://www.csicop.org). O CSICOP, em suas próprias palavras, "encoraja a investigação crítica de alegações de paranormalidade e ciência marginal, do ponto de vista científico, e dissemina informação fatual sobre tais investigações para a comunidade científica e para o público. Também promove o pensamento crítico e a educação para a ciência e o uso da racionalidade no exame de temas importantes". Entre seus carros-chefe, edita uma excelente revista, "The Skeptical Inquirer" (O Investigador Cético), que também está na Internet. A abordagem do CSICOP e grupos semelhantes segue o princípio de não rejeitar à priori alegações de veracidade de fenômenos paranormais, mas sim examiná-las de forma neutra, objetiva e cuidadosa, à luz da metodologia científica.

Entre os temas investigados e relatados pelo CSICOP estão: acupuntura, fadas, duendes, fantasmas, anjos e demônios, cristais, aparelhos e drogas alternativas e "naturais", saúde holística, aromaterapia, iridologia, homeopatia, florais de Bach, astrologia, biorritmo, tarô, quiromância, cirurgias psíquicas, parapsicologia e percepção extrassensorial (telepatia, telecinese, clarividência, levitação), poltergeist, discos voadores e extraterrestres, criacionismo, cura pela fé, imposição das mãos, exorcismo, reincarnação, simpatias, fotografia Kirlian, meditação, monstros e animais míticos, previsões proféticas e de fim do mundo, seitas esotéricas, numerologia, vidas e mistérios passados, regressão, etc. (a lista é longa. Segundo artigo recente do CSICOP, somente de abordagens de medicina alternativa existem mais de 600 !). Infelizmente, não existe no Brasil uma sociedade desse tipo, e embora seja fácil imaginar que existam muitos céticos e racionalistas convictos em nosso país, não estamos unidos e nos comunicando como em outros países. Um dos meus leitores, Lars Lund, de Campinas, me propôs que organizássemos um sub-comitê campineiro do CSICOP. Achei ótima idéia, e assim estamos montando algo até mais ambicioso: uma Sociedade Brasileira de Céticos e Racionalistas (ou nome do gênero), com uma missão semelhante à do CSICOP (inclusive com site na Internet).

Quem quiser aderir como membro fundador, é só me escrever aos cuidados do jornal ou via email (renato@sabbatini.com), ou visitar a página na Internet da Sociedade (http://www.ceticos.org). Darei notícias no futuro como a coisa está andando.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 1/5/98.

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