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A aldeia global

Renato M.E. Sabbatini

Há uns 25 anos atrás, um sociólogo canadense chamado Marshall MacLuhan (alguém se lembra dele ?) ficou mundialmente famoso ao publicar o livro "O Meio é a Mensagem". Foi o primeiro filósofo das transformações sociais provocadas pela revolução tecnológica do computador e das telecomunicações. Uma outra expressão sua também correu mundo, e até hoje é muito usada: aldeia global. Uma maravilha de síntese conceitual, ela quer dizer simplesmente que o progresso tecnológico estava reduzindo todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia, ou seja, a possibilidade de se intercomunicar diretamente com qualquer pessoa que nela vive.

Ao examinar esse fenômeno, McLuhan cometeu um erro sério, que talvez tenha contribuído para o fato de ter caído de moda. Como paradigma da aldeia global, ele elegeu a televisão, um meio de comunicação de massa em nível internacional, que começava a ser integrado via satélite. Esqueceu, no entanto, que as formas de comunicação da aldeia são essencialmente bidirecionais e entre dois indivíduos. Há centenas de milhares de anos, o diálogo é a forma predominante de comunicação humana, e foi a própria base do desenvolvimento da linguagem e da fala. A televisão (até hoje) não é nada disso. Apenas adicionou o ingrediente da instantaneidade e do improviso à receita do cinema, muito mais antiga. Portanto, o mundo da televisão não é o da aldeia global.

Somente agora, década dos 90, é que o conceito começa a se concretizar. O telefone celular, o videotexto, e as redes internacionais de computadores são as veículos e os arautos dessa nova era, na qual, realmente, qualquer ser humano do planeta poderá entrar em contato e dialogar facilmente com qualquer um dos seus semelhantes, esteja ele onde estiver.

Quer um exemplo ?

A rede de computadores chamada INTERNET é um bom exemplo. Ela é uma gigantesca teia, formada por cerca de 1,5 milhão de computadores, interligados entre si através da rede de telefonia internacional. Oito milhões de pessoas tem acesso diário a essa rede, e podem enviar mensagens escritas, imagens ou som, umas para as outras. Atualmente, abrange 40 países (entre os quais o Brasil). A INTERNET nasceu de um projeto norte-americano, chamado ARPANet, que interligava os laboratórios que faziam pesquisa para o Ministério da Defesa, na década dos 70. A partir de 1988, foi transformada em uma estrutura para servir as universidades e aos centros de pesquisa, em geral, e abriu-se para todo o mundo. Desde então, seu tamanho tem dobrado a cada ano. Apenas em 1992, a rede transmitiu 145 bilhões de mensagens. Quase todas as universidades brasileiras estão ligadas à INTERNET. Na UNICAMP, mais de mil docentes e alunos de pós-graduação a utilizam rotineiramente.

Como funciona ? Um exemplo: são 10 horas da noite. De minha casa mesmo, conecto meu microcomputador pessoal ao computador central da UNICAMP, usando a linha telefônica normal e um aparelhinho chamado modem. Digito minha senha secreta de acesso e começo a ler a minha correspondência, que desde ontem ficou armazenada em uma "caixa postal" eletrônica no computador central. Recebí 45 mensagens, vindas de todos os cantos do mundo. Algumas são bilhetes pessoais de amigos cientistas brasileiros, americanos e alemães; editoras e empresas. Outras foram recebidas de cerca de 50 serviços noticiosos especializados que assino, e que escolhí entre os mais de 2.000 existentes na INTERNET. Respondo a várias (e que são enviadas em poucos minutos para o seu destino, através de uma intrincada trajetória eletrônica), e, 30 minutos depois, desligo o sistema. Sinto-me parte integrante do resto do mundo: esteja em Timbuctu ou Maracangalha, estou em comunicação viva e permanente. E o melhor de tudo: a um custo praticamente zero para mim (ele é coberto pelas entidades financiadoras de pesquisa e pela UNICAMP, bem como pelas mais de 18.000 entidades que são as donas da INTERNET).

Esta sim é a aldeia global !


Publicado em: Jornal Correio Popular, 4/3/93, Campinas,
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://www.nib.unicamp.br/sabbatin.htm Jornal: cpopular@cpopular.com.br

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