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A era da compatibilidade

Renato M.E. Sabbatini

Uma das piores pragas que assolam a Informática é a falta de compatibilidade entre software e hardware. Explico melhor: hardware é o termo usado, em "informatiquês", para o equipamento, o computador em si. Software é o programa, que tem que encaixar no hardware para o qual foi feito, como se fossem uma chave e uma fechadura. O hardware é controlado pelo "cérebro" do computador, que é um complexo conjunto de circuitos eletrônicos, denominado de UCP, ou Unidade Central de Processamento. Cada modelo de UCP lançado pelos pouquíssimos fabricantes mundiais que dominam o ciclo tecnológico de invenção e produção industrial nessa área, tem um conjunto próprio e intransferível de comandos (a linguagem de máquina), na qual, em última análise, todos os programas executáveis para aquela máquina têm que ser feitos.

Aqui surge, portanto, o problema de incompatibilidade: na área de microinformática, com modelos novos de UCPs sendo lançados em média a quase dois anos, os comandos também mudam, de forma a acompanhar a evolução tecnológica da eletrônica digital. Até aí, tudo bem, quando se trata da linha de um mesmo fabricante, como a Intel (a maior de todas, que faz os chips que estão em 80 % dos microcomputadores do mundo). Para manter o mercado, o fabricante faz as linguagens de máquina serem compatíveis por "hereditariedade", por assim dizer. Em outras palavras, um programa feito para um modelo anterior pode ser recompilado para um novo modelo de UCP (mas não o contrário), o que os americanos chamam de "upward compatibility" (compatibilidade anterógrada, ou progressiva). O grande problema é a total incompatibilidade que existe entre os chips de fabricantes distintos. É caso das UCPs da Motorola, adotadas pela Apple Computer para sua linha de computadores Macintosh. Um programa feito para o Intel não pode ser usado em um Motorola, e vice-versa. Isso provocou sérios problemas para meio mundo: para os fabricantes de software e CD-ROMs, que tem que fazer duas versões de tudo que produzem; para os produtores de periféricos, placas e acessórios, que muitas vezes também tem problemas de compatibilidade com as plataformas Intel e Motorola; mais, principalmente, para os coitados dos usuários, que tem que decidir bem cedo com que linha pretendem se "casar" e ser fiéis para o resto da vida. No Brasil, felizmente, esse dilema não se colocou durante a fase de reserva de mercado, porque a Apple praticamente boicotou o mercado, e 99 % dos micros vendidos tinham "Intel Inside", que é o esperto lema bolado pela quase-monopolista fabricante norte-americana. Mas isso está mudando rapidamente.

A situação começou a melhorar dramaticamente, entretanto, nos últimos dois anos, com duas estratégias distintas de ataque. A primeira, adotada pela Microsoft (uma das que mais gastam dinheiro com a irritante dualidade do mundo desktop) foi a de produzir um sistema operacional que rodasse em qualquer máquina, desde microcomputadores até computadores de grande porte. É a filosofia do Windows NT, que ainda não conseguiu penetrar o mercado, pois é uma abordagem com enormes dificuldades de implementação. Imaginem o que é fazer um software que enfrente todas as diferenças entre as UCPs, de forma totalmente transparente para o usuário. Além disso, à medida em que os chips evoluem, geralmente em linhas cada vez mais divergentes ou radicais, a Microsoft terá que "correr atrás", a um custo altíssimo. A segunda linha de ataque, entretanto, faz muito mais sentido. É a de fazer uma UCP que sirva de padrão único, e que seja capaz de rodar programas existentes para as principais linhas. O Power PC, um conjunto de chips desenvolvidos pela Motorola, em colaboração com a IBM e com a Apple, é a resposta.

A IBM já lançou a sua linha baseada no Power PC. A semana passada foi a vez da Apple, em show público com enorme difusão nos meios de comunicação (até no Brasil, foi transmitido pela TV a cabo SuperStation). A demonstração realizada foi impressionante. Além de serem computadores de altíssimo desempenho, os Power PCs da Macintosh são compatíveis praticamente com tudo o que já existe. Em uma mesma máquina, sem necessidade de trocar nada, o usuário pode usar os sistemas operacionais e os programas aplicativos para MS-DOS, o MS Windows 3.1, o MS Windows 95, o UNIX e o MacOS (o sistema operacional nativo do Macintosh). Pode, inclusive, pular de um sistema para outro, com a maior facilidade. O chip Power PC facilita isso, mas houve um enorme investimento da Apple no sentido de ganhar essa compatibilidade total.

Ficou todo mundo feliz, é claro. Até o Bill Gates, o arquimilionário dono da Microsoft, que sorria meio amarelo, vendo o começo do fim da hegemonia de sua empresa na área de sistemas operacionais. Ânimo, Bill !


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 14/02/95, Campinas,
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