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Ciber-amor, ciber-amizade

Renato M.E. Sabbatini

É curioso como a mera existência das redes de computadores está alterando de maneira dramática a tradicional teia de relações sociais. É um fenômeno absolutamente novo e apaixonante, que desafia todos os modelos sociológicos e psicológicos existentes.

Tomem, como exemplo, o IRC, ou Internet Relay Chat. Chat, em inglês, quer dizer conversa, ou bate-papo. Existem mecanismos semelhantes ao IRC em quase todos os programas de gerenciamento de BBS (Bulletin Board Systems) em funcionamento no Brasil, como o PC Board, usado por oito entre 10 serviços de BBS. Em um chat, várias pessoas podem conversar em tempo real, utilizando o servidor da rede como intermediário da "conversa". Um chat é organizado em vários canais (tipicamente, 255 canais, numerados sequencialmente). Um canal pode ser, como no IRC, dedicado a um determinado assunto, como o que reune brasileiros e brasileiras no canal #brazil (conversas em inglês) ou #brasil (em português). Ou, pode ser simplesmente um grupo de duas ou mais pessoas, montado, remontado e desmontado ao sabor do tempo, onde se conversa sobre qualquer coisa. Os usuários que entram e saem do chat podem escolher se ligarem a um ou mais canais simultaneamente, para entrar na conversa, ou simplesmente monitorá-la, sem intervir. Os canais equivalem às salas de uma casa, onde se entra para encontrar outras pessoas. Mas, se você quiser, pode tornar particular uma conversa entre duas pessoas, o equivalente a ir para um quarto isolado dos demais (com tudo o que isso possa significar...).

O resultado desse esquema tão simples, computacionalmente falando, é fascinante de se observar. A primeira coisa que se nota é que o "tráfego" de gente nos chats é pequeno durante o dia, e aumenta exponencialmente durante a noite. Como na sociedade de verdade, a meninada abaixo dos 18 predomina nas primeiras horas da noite, com paqueras infantís, e muita abobrinha sobre computadores, colégio, esportes, quem está namorando quem, etc. Mais tarde, entram os jovens acima de 20, geralmente universitários, geralmente de computação, e a paquera começa a ficar mais "séria", com as primeiras provocações maliciosas e paixões telecibernéticas rolando pelo éter. Os adultos mais maduros são habitantes raros desse universo de chats, mas quando se encontram, o interesse é o de unir almas solitárias (geralmente solteiros, descasados recentes, ou casados "sufocados" em seus relacionamentos), em buscas de novas amizades e possíveis parceiros de cama e de vida. Algumas vezes, a conversa fica mais pesada, mais tipo "assédio sexual", avançando na madrugada.

Um aspecto interessante é como as pessoas, ao se encontrarem em ciberespaços "marcados", como o chat, se abrem de uma maneira total com estranhos que possivelmente nunca encontrarão pessoalmente, e nem sequer terão uma idéia de como eles se parecem, fisicamente. Segredos de alcova, mágoas e aspirações, são intercambiados como se as pessoas fossem antigos e íntimos amigos. A explicação clássica dos sociólogos para esse fenômeno é que, por não não manterem contato visual e tátil, as pessoas perdem as pistas sensoriais não verbais, como expressões faciais sutís, posturas corporais evocativas ou defensivas, etc., que acompanham o discurso face a face. É comum, quando duas pessoas que se tornaram absolutamente íntimas através da rede, se encontram fisicamente pela primeira vez (o que os internautas chamam de "desvirtualizar"), uma poderosa inibição entra em ação, e essas mesmas pessoas se comportam como se fossem quase desconhecidos... É muito curioso.

Essa anonimidade relativa também provoca outros fenômenos novos, como a ausência de preconceitos de nacionalidade, raça e idade. As pessoas passam a ser representadas não mais por sua cor de pele, aspecto físico, etc., mas pela pura força de suas palavras escritas. Em chats internacionais, o uso do idioma inglês domina totalmente, e a léxica e a sintaxe deixam de ser importantes. McLuhan não tinha razão, quando disse que o meio é a mensagem. Na Internet, a mensagem é a mensagem, e o meio não interessa. As características e limitações do meio ainda interessam, pois afetam as formas de relacionamento, mas também serão pouco importantes dentro de pouco tempo. A Internet ficará cada vez mais parecida com um telefone, uma teleconferência, um fax, etc.

O ciberespaço tornou-se uma nova espécie de habitat para o ser humano. Através dele tenho conhecido seres humanos maravilhosos de todo o planeta, com quem me correspondo diariamente. É o caso de minha querida amiga "Izabella", uma alma gêmea que encontrei totalmente por acaso numa das BBS da cidade, quando estava a procura de dados, e a quem dedico afetuosamente esse artigo.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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