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La donna è mobile

Renato Sabbatini


"La donna è mobile, qual piuma al vento
muta d' accento - e di pensier.
Sempre un' amabile leggiadro viso,
in pianto o in riso,
è menzogner."

Na imortal ária da ópera "Rigoletto", do compositor italiano Giuseppe Verdi, a alma feminina é retratada como sendo inconstante e impredizível, tal como uma pluma que flutua ao vento. E o libreto continua: ela muda sempre seu discurso e seu pensamento, e apesar de ter um rosto amável e gentil, no choro ou no riso, é apenas uma dissimulação.

Essa característica feminina, que tanto exaspera os homens, que são muito mais constantes e predizíveis, parece ter bases biológicas. Todo mundo sabe que os hormônios femininos sobem e descem seguindo um ciclo com duração média de 26 a 30 dias (o ciclo menstrual), e que boa parte das oscilações emocionais femininas pode ser creditada a essa verdadeira "montanha russa" hormonal. A famosa STM, ou síndrome de tensão pré-menstrual, e as fortes alterações no humor de mulheres em menopausa são também causadas pelo efeito do baixo nível hormonal nas suas mentes. Os homens, não: seus níveis hormonais variam muito pouco, e mesmo assim muito lentamente (ao longo de décadas). Não existe uma andropausa (a menopausa masculina) tão abrupta e marcada como a feminina, e, obviamente, o homem não ovula, nem menstrua.

Pois bem, o que pouca gente sabe é qual a razão biológica para a mulher ter um ciclo menstrual. Aliás, praticamente todos os mamíferos de sexo feminino, inclusive os primatas, tem função reprodutiva cíclica, como sabe qualquer dono de gatas ou cadelas. Isso está ligado ao número de gametas (as células reprodutivas, ou seja, espermatozóides no homem, e óvulos na mulher). O homem produz trilhões de gametas, de forma contínua, e por ter nível hormonal sexual constante, está sempre pronto para copular e reproduzir a espécie. A mulher produz um número radicalmente menor (cerca de 2.000 óvulos apenas, em 30 ou 40 anos de vida fértil). Portanto, a lógica biológica dita que, para que o org produção de espermatozóides: a probabilidade dos ciclos da mulher e do homem coincidirem seria tão pequena que a espécie se extinguiria em pouquissimo tempo!), sobrou para o homem a estabilidade.

Outro dado interessantíssimo é a enorme diferença entre o número de gametas liberados pelos organismos masculino e feminino. A razão é simples: para que ocorra a evolução de uma espécie, deve haver grande variabilidade genética na prole de um casal.

Segundo Darwin, a evolução ocorre quando a seleção natural elimina os desadaptados à mudanças no ambiente, e favorece a reprodução dos mais aptos. Se o homem e a mulher tivessem ambos um número pequeno de gametas, essa variabilidade da prole gerada seria pequena. Como a produção de espermatozóides é gigantesca, existe uma enorme variabilidade de genes entre os gametas masculinos. Isso acontece pois a meiose (o fenômeno da divisão celular que gera os gametas) "sorteia" aleatoriamente os cromossomos que vão se dividir entre os espermatozóides gerados. Ao ocorrer o processo da fecundação, o óvulo encontra-se, também ao acaso, com um desses espermatozóides, entre os bilhões que iniciaram a "corrida" após a ejaculação. Essa seqüência fantástica de "sorteios" gera a variabilidade ideal para aa atuação da seleção natural. E é por isso que é praticamente zero a possibilidade de produzir-se dois irmãos idênticos (com o mesmo genoma) em nascimentos diferentes. Isso só acontece no caso de gêmeos univitelinos, que são uma espécie de "clones naturais" um do outro, e que é um acontecimento raro.

O leitor poderia perguntar: e porque a mulher não tem também um número grande de gametas? Não aumentaria ainda mais a variabilidade?

Bem, entre os vertebrados isso acontece em muitos anfíbios e peixes. A fêmea do peixe excreta um enorme número de óvulos (o caviar, que são ovas de esturjão, é um bom exemplo desse número: cada grãozinho de caviar é um óvulo), e o macho também produz grande número de espermatozóides. A fecundação, nesse caso, geralmente é externa (for a do corpo da fêmea), e o número de filhotes gerados é imensa, dos quais poucos sobrevivem. Nos mamíferos, a copulação e a fecundação são internas, pois a gestação também é interna. Essa, por sua vez, é necessária porque são animais de sangue quente, e não haveria como sobreviver em uma gestação externa, exposta ao ambiente, como ocorre com peixes. O sangue quente, por sua vez, confere maior adaptabilidade de um animal às variações de temperatura, e permite que ele habite ambientes muito hostis à animais de sangue frio.

Portanto, tudo tem uma razão em biologia, e todos os fenômenos podem ser explicados pela evolução através da seleção natural, que é a força poderosa que plasma e molda a biodiversidade, em toda sua grandeza.

Sexos diferentes, cérebros também

Por outro lado, as mulheres se saem melhor do que os homens nos relacionamentos humanos, no reconhecimento dos aspectos emocionais nas outras pessoas e na linguagem, na expressão emocional e artística, na apreciação estética, na linguagem verbal e na execução de tarefas detalhadas e planejadas.  Elas tendem também a ser melhores também nos quesitos de empatia humana, habilidades verbais, sociais, e de proteção; enquanto que os homens tendem a ser mais independentes e dominadores e ter mais habilidades físicas e relacionadas a ações diretas.

Mas qual é o papel da genética e do educação nessas diferenças? Será que as meninas são mais propensas a brincar de boneca e cooperar entre si do que os meninos, porque assim são ensinadas por seus pais, professores e colegas ou é exatamente o contrário? O que sabemos atualmente é que muitas das diferenças entre os gêneros já se manifestam em crianças com poucos meses de idade, quando a influência social ainda é muito pequena. Anne Moir e David Jessel, em seu controvertido livro "Brain Sex", dizem que essas diferenças precoces entre as crianças: "são programadas muito antes que as influências externas tenham a oportunidade de se manifestar. Elas refletem uma diferença básica no cérebro do recém-nascido".

E essas diferenças podem ser anatômicas, inclusive. Por exemplo, cientistas da Johns Hopkins University descobriram que uma região no córtex infero-parietal do cérebro parece ser significativamente maior nos homens do que nas mulheres. Além disso a área do lado esquerdo é maior do que a do direito nos homens, ocorrendo uma assimetria inversa nas mulheres. Curiosamente, esta é a mesma área que demonstrou-se recentemente ser maior no cérebro de Albert Einstein, indicando, portanto que ela pode estar correlacionado com a maior habilidade matemática entre homens e com a memória envolvida na compreensão e manipulação das relações espaciais.

Por outro lado, estudos utilizando métodos de imagens descobriram que as áreas relacionadas à linguagem falada e ouvida são significativamente maiores nas mulheres, fornecendo assim um motivo biológico para a notória superioridade mental das mulheres relacionada à linguagem.  Sabe-se também há bastante tempo que o cérebro das mulheres processa a linguagem verbal simultaneamente nos dois lados (ou hemisférios) do cérebro frontal, enquanto que os homens tendem a processá-la apenas no hemisfério esquerdo.

Qual o motivo para essas diferenças em estrutura e função do cérebro entre os sexos?

A responsabilidade, como vimos acima, pertence aos mecanismos de seleção natural sexual. Entre os primatas, os sexos têm papéis muito bem definidos, que ajudam a assegurar a sobrevivência da espécie. Os homens do tempo das cavernas caçavam e as mulheres coletavam comida perto de casa e cuidavam das crianças. As áreas do cérebro podem ter sido desenvolvidas para permitir que cada sexo realizasse melhor suas tarefas. A vantagem das mulheres relativa às habilidades verbais também pode fazer sentido em termos evolutivos. Enquanto que os homens tem força c descoberta de diferenças concretas e cientificamente comprovadas entre os cérebros dos homens e das mulheres. Embora esse conhecimento poderia teoricamente ser usado para justificar a misoginia e preconceito contra as mulheres,  felizmente isso não tem acontecido. Na verdade, esse novo conhecimento pode ajudar os médicos e cientistas a descobrir novas maneiras de explorar as diferenças cerebrais para o tratamento de doenças, para personalizar a ação de medicamentos, para utilizar diferentes procedimentos cirúrgicos, etc. Afinal de contas, os homens e mulheres diferem apenas quanto ao cromossomo Y, mas isso tem um impacto real sobre muitas coisas, inclusive os hormônios e a mente.

Enfim, como dizem os franceses, "Vive la differénce!!". A vida seria muito pouco interessante se as mulheres fossem iguais aos homens. A atração exercida por essas diferenças é o verdadeiro sal da terra... Na ária de "Rigoletto", onde o Duque expressa de forma tão contundente a concepção que os homens têm das mulheres, ele termina por se render aos seus encantos inegáveis:

Pur mai non sentensi
felice appieno
chi su quel seno - non liba amor! 

Traduzindo: "No entanto, nunca se sente plenamente feliz aquele que em seu seio não experimenta o amor!".

Ouça aqui a ária "La donna è mobile" (RealAudio, 702Kb)
 

Para Saber Mais

Sabbatini, R.M.E.: Existem diferenças cerebrais entre os homens e as mulheres? Revista Cérebro & Mente, 3(11), Out/Dez 2000.
 

Dedicatória


Dedico este artigo à minha amada esposa, e querida amiga, colega e companheira, Dra. Silvia Helena Cardoso. Con lui sono felice appieno!
 


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, .
Autor: Email: renato@sabbatini.com

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