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Saúde na rede

Renato Sabbatini

A Medicina já não é mais a mesma. O relacionamento médico-paciente tem passado por alterações extremamente importantes nos últimos anos, em função de uma série de fatores, mas eu acho que o principal deles é o fato de que as pessoas já não confiam cegamente nos médicos, como antes. As numerosas notícias que aparecem nos meios de comunicação sobre profissionais com sérios problemas de formação, os erros médicos, o caos da atenção médica pública, os abusos dos planos de saúde, etc., abalaram o papel meio divino e infalível que o médico assumia em relação aos seus pacientes. Basta ver o enorme aumento nas chamadas "consultas de segunda opinião", que ocorrem quando o paciente desconfia do que o médico diagnosticou ou prescreveu, e procura um segundo ou terceiro médico. Auditores da UNIMED detectaram, por exemplo, que é enorme o número de mães que levam os seus pimpolhos a três ou quatro pediatras, aparentemente "tirando uma média" das respectivas opiniões... Além de ser um procedimento absurdo (e até perigoso, pois quem acaba decidindo qual é o melhor tratamento é o paciente), isso gera um custo enorme para a sociedade e para as seguradoras médicas. Sem falar nos pacientes que tomam todos os remédios passados pelos vários médicos que consultaram...

Outra tendência importante é um aumento no grau de informação dos pacientes sobre os seus problemas de saúde. Graças às revistas populares, à TV e, agora, à Internet, as pessoas estão cada vez mais bem informadas e têm condições de "enfrentar" o médico quando acham que alguma coisa não está correta. O ideal é que isso aumentasse cada vez mais, como acontece nos países mais desenvolvidos, pois o resultado é benéfico para todo mundo. Os americanos fizeram recentemente um estudo na Califórnia, em um sistema de saúde chamado Kaiser-Permanente (parecido em operação com a UNIMED), no qual descobriram que a cada 1 dólar que se gasta dando informação para o paciente, poupa-se 2,30 dólares em consultas, remédios e cirurgias desnecessárias ! É um ganho significativo, em um país que gasta quase um trilhão de dólares por ano na área da sáude e medicina.

Por isso, é sensacional constatar o sucesso de serviços de informação através da Internet, como a revista "Saúde e Vida On-Line" e o serviço "Pergunte ao Doutor", ambos estabelecidos desde novembro do ano passado pela UNICAMP, dentro do projeto Hospital Virtual (endereço: http://www.nib.unicamp.br/svol). A revista, que só existe na Internet, contém artigos de fácil leitura por leigos, com informações valiosissimas sobre uma infinidade de temas médicos, como AIDS, diarréias na infância, menopausa, doenças cardíacas, dietas alimentares, câncer, e centenas mais. O "Pergunte ao Doutor", por sua vez, permite que qualquer pessoa que tem acesso a correio eletrônico possa enviar perguntas sobre doenças, saúde e prevenção, a um corpo de dezenas de médicos das mais variadas especialidades, que, gratuitamente, prestam serviços de consultoria à revista. As perguntas mais interessantes, juntamente com as respostas, também são publicadas na revista "Saúde e Vida On-Line", e podem ser aproveitadas por pessoas que tenham dúvidas semelhantes. O "Pergunte ao Doutor", assim como o Hospital Virtual, é apoiado oficialmente pela Associação Médica Brasileira, mostrando de forma clara que as lideranças médicas responsáveis do país querem que continue essa tendência de maior informação por parte dos usuários da saúde.

Chega a ser comovente acompanhar o diálogo entre as pessoas que estão usando o "Pergunte ao Doutor". São inúmeros os casos de pessoas que tiveram uma ajuda carinhosa e eficiente dos médicos que respondem, em alguns casos chegando até a marcar consultas pessoais. Uma paciente, com sério problema na coluna, ganhou uma cirurgia gratuita num dos melhores centros médicos nos EUA, através de um médico brasileiro residente naquele país, que é consultor da revista, embora este não seja o objetivo do serviço. É espantoso ver como os médicos consultores dedicam gratuitamente seu tempo para responder e orientar os pacientes on-line. Ao contrário de outros serviços da mesma natureza, como o CorreioNet, que são restritos a uma cidade, como Campinas, o "Pergunte ao Doutor" atende a pacientes de todo o país (e até do exterior), e seus consultores são realmente "virtuais" (eles estão localizados desde Porto Alegre até Recife, mas como usam o correio eletrônico, sua localização realmente é irrelevante, o que é uma inovação maravilhosa). Mas, o mais importante é que a maioria dos pacientes saiu da experiência com muito mais informação do que tinha antes, aumentando a qualidade de vida e a segurança das pessoas que têm problemas de saúde. A aprovação a esse tipo de serviço é geral.

Tudo isso reacende nossa esperança no idealismo básico da Medicina.




Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 21/03/1997.

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br

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