A curva
de progresso tecnológico da humanidade neste século está
ligada quase que exclusivamente ao desenvolvimento da eletrônica.
Tirando alguns setores como a aeronáutica e a ciência espacial,
nada evoluiu de forma tão radical e rápida.
A eletrônica nasceu em 1906, nos Estados Unidos, quando um engenheiro, Lee De Forest (1873-1961) inventou um curioso aparelho em forma de lâmpada, em que o fluxo de elétrons gerados pelo seu filamento incandescente era atraído para o lado oposto por uma placa metálica eletrificada positivamente. No caminho dos elétrons, o engenheiro colocou uma grade também metálica, cuja voltagem ele podia controlar externamente. De Forest notou um fenômeno curioso: uma pequena voltagem aplicada à grade gerava uma variação muitas vezes maior de voltagem na corrente entre o filamento e a placa. Estava criada a primeira "válvula eletrônica" (que ele chamou de audion, nome que não "pegou"), e o primeiro amplificador.
As primeiras aplicações da válvula eletrônica se deram em um campo comercialmente muito valioso: o do rádio. O italiano Marconi e outros inventores e técnicos, tinham desenvolvido a transmissão de informação por ondas eletromagnéticas criadas por faíscas elétricas e necessitavam de um sistema que amplificasse o fraquíssimo sinal captado nas bobinas dos receptores. Precisavam também de amplificar milhares de vezes o sinal de origem, para que o transmissor pudesse trabalhar a longas distâncias e com ondas eletromagnéticas de alta freqüência (as ondas curtas). Desenvolveu-se então o primeiro sistema de comunicação de massa da história, que se popularizou enormemente e iniciou a revolução da era da informação. O próprio De Forest transmitiu ao vivo uma ópera em 1910, inventou o primeiro sistema de som, e em 1923 desenvolveu a sonorização dos filmes.
Os primeiros computadores também foram construídos com válvulas eletrônicas. Um novo uso tinha sido descoberto para elas: armazenar e computar dados digitais (a válvula funciona como se fosse um interruptor eletrônico, ligando e desligando uma corrente elétrica no circuito controlado). O ENIAC tinha 18.000 delas. No entanto, uma descoberta importantíssima, que foi uma revolução dentro da revolução, tinha acontecido no Bell Labs. Em 1948, um substituto menor e mais confiável para a válvula foi inventado, o transistor, por Jonh Bardeen, Walter Brattain e William Shockley (que receberam o prêmio Nobel por isso). Ele utilizava materiais sólidos, denominados semicondutores, porque conduzem corrente elétrica apenas em uma direção. Dessa espantosa invenção surgiram o radinho portátil, os computadores de segunda geração e uma enorme expansão do mercado de eletroeletrônicos de consumo. A curva da eletrônica começou um crescimento em forma exponencial.
Finalmente, a terceira revolução foi a criação do circuito integrado, no qual os transistores, diodos e todos os demais componentes de um circuito complexo, puderam ser ultraminiaturizados, ao ponto de um fio condutor desse circuito ser menor do que uma hemácia, uma célula sangüínea. Por exemplo, as memórias de computador mais modernas tem até 100 milhões desses transistores por centímetro quadrado. Se um Pentium com 32 Mbytes de memória usasse a tecnologia do ENIAC, ele pesaria 400.000 toneladas, teria o tamanho do campus da UNICAMP (2 milhões de metros quadrados), consumiria mais energia que a cidade de Campinas, e custaria 200 milhões de dólares !.
E notem, essa espantosa evolução ocorreu no curto período de 50 anos.
A informatização da sociedade moderna é tão abrangente e recente, que seguramente 90 % dos usuários atuais começaram a mexer com computadores há menos de três ou quatro anos atrás. Assim, para eles (a maioria formado de jovens ou muito jovens), a coisa mais natural do mundo é ter um microcomputador pessoal poderoso, discos de grande capacidade, monitor colorido de alta resolução, etc. Também não se pensa muito como será a Informática dentro de 20 anos, o que não é um período de tempo muito grande.
Eu, que já vivi pessoalmente quase todas os estágios do desenvolvimento da Informática, a partir dos computadoers de segunda geração (baseados em transistores), tenho uma perspectiva bem diferente. Para os usuários mais recentes da Informática, conto alguns dados interessantes:
Quando cheguei para trabalhar como estudante
estagiário no Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto, em 1970, o único dispositivo de cálculo
semi-automático existente na época era uma portentosa calculadora
eletromecânica Monroe Electric, que era muito usada por ser capaz
de extrair raizes quadradas e por ter memórias de acumulação.
Ambos os recursos eram muito importantes para quem fazia cálculos
bioestatísticos.
Monroe (1960) |
Olivetti Programma 101, primeira calculadora programável européia. Usava cartões magnéticos. Produzida a partir de 1968. |
O primeiro computador que eu usei (e aprendi a programar) na minha vida foi uma calculadora programável de mesa Olivetti Programma 101, que um departamento vizinho ao nosso (Farmacologia) tinha comprado em 1970. Tinha a "fabulosa" memória RAM de 100 bytes, era programável em uma linguagem própria, e tinha como grande atrativo "saber" fazer raiz quadrada ! A memória auxiliar era na forma de compridos cartões magnéticos. Passei centenas de horas quebrando a cabeça na frente dessa máquina, até desenvolver vários programas de análise estatística de dados, que pareciam impossíveis de caber na reduzida memória da máquina (o truque era encadear vários cartões magnéticos em seqüência).
O
minicomputador IBM-1130 (produzido a partir de 1969)
Depois, me "graduei" para o computador mais possante que a USP e a UNICAMP possuiam na época: um IBM-1130, que já tinha uma memória muito melhor, de 16 K. O disco rígido era um monstrengo de 45 cm de diâmetro e armazenava 2 megabytes. Achávemos, na época, que era praticamente impossível alguém ter um programa que ocupasse tanto espaço.... O sistema operacional dele (não se chamava DOS, pois era baseado em cartões perfurados) tinha 2 K de tamanho (comparem com os 40 megas do Windows 95) e era muito eficiente. Os comandos tinham três letras, para economizar espaço. Detalhe: era usado por mais de 2.000 alunos e professores, que tinham que fazer fila para entregar seus pacotinhos de cartões perfurados (o teclado só podia ser usado pelo operador), e que demoravam 24 horas para dar o resultado impresso (geralmente errado...). Foi nesse computador que aprendi a programar em FORTRAN, e desenvolvi meus primeiros sistemas profissionais. Um deles, um pacote de análise de comportamento, tinha 19.000 cartões perfurados.
Cartão
perfurado de 80 colunas da IBM
Outra evolução interessante
que acompanhei de perto foi a das calculadoras e computadores pessoais.
Uma das primeiras calculadoras científicas lançada no mundo,
em 1975, foi uma da Texas Instruments, que calculava raiz quadrada e inverso,
e custava mais de 500 dólares (hoje uma calculadora semelhante custa
2 dólares em qualquer supermercado). Me lembro que tive que vender
um microscópio binocular polonês, que tinha ganho de presente
do meu pai ao entrar na Faculdade de Medicina, para conseguir comprar a
calculadora.
TRS-80, um dos primeiros icrocomputadores pessoais (1976) Datamath,
primeira calculadora científica
|
Quanto aos computadores pessoais, comprei em 1978 um dos primeiros que surgiram no mundo, um Radio Shack TRS-80, que usava um microprocessador de 8 bits, o Z-80. O micrinho (que custou mais que um Pentium, na época) tinha 16 K de memória RAM, gravador de fita cassete e vídeo monocromático com resolução de 64 x 128. Fiz centenas de programas nessa máquina, até altas horas da madrugada, pois tinha um excelente interpretador BASIC da Microsoft, muito poderoso. Não existiam programas de processamento de texto, planilhas, bases de dados ou gráficos, modems ou Internet. Com a adição de uma unidade de disquete (inacessível para mim na época, custava 800 dólares cada), tínhamos acesso aos sistemas operacionais MS-DOS e CP/M, e à linguagem BASIC compilada.
Mas aí já estava começando
a era profissional, e deixou de ser tão gostoso como nos tempos
do pioneirismo (apesar de todo o sofrimento dos "escovadores de bits" para
fazer caber os programas na exígua memória dos computadores
de antanho.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 23 e 30/9/97.
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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