Uma matéria recente na revista Veja, intitulada "Bomba de Tempo" deixou muita gente de cabelo em pé. Segundo a revista, citando estudos do National Media Laboratory, o mais importante laboratório de pesquisa na área de mídias digitais dos EUA, um CD-ROM duraria apenas dois anos. Depois disso começaria a perder dados, devido a alterações físicas de sua superfície. Outros meios digitais e analógicos, como disquetes, fitas de vídeo, DVDs, etc., também teriam uma vida útil relativamente curta.
Segundo o diretor do CENADEM (Centro Nacional de Documentação), uma das mais respeitadas empresas da área de sistemas de documentação digital, a matéria está cheia de erros e distorceu completamente os dados da pesquisa do NML. Pior ainda: acusa o repórter da Veja de ter copiado uma reportagem semelhante que saiu na revista americana Newsweek, que já estava errada, além de colocar uns errinhos a mais... (o diretor do NML escreveu uma carta para essa revista apontando os erros cometidos) A divulgação da matéria teria causado grandes prejuízos ao campo da documentação ótica de sistemas no Brasil. Várias empresas teriam cancelado licitações ou adiado projetos de grande porte em função do pânico que se instalou.
O campo dos sistemas óticos de documentação é imenso, tanto tecnologica quanto comercialmente. A maioria das empresas que mexe com grande volume de papel, como bancos, hospitais, governo, etc., tem necessidade de armazenar os seus arquivos mortos em formas mais compactas (muitas coisas não podem ser jogadas fora por motivos legais, como os cheques e os registros médicos de pacientes). Começando nos anos 50s, a microfilmagem era a única técnica disponível. Os documentos são fotografados usando máquinas especiais, que invertem a imagem ótica e transformam quatro ou oito folhas de papel em um retângulo de menos de um centímetro. Leitoras especiais, com mecanismos de magnificação ótica, deslocamento e localização do filme permitem o acesso aos documentos microfilmados.
Nos últimos anos, os sistemas de microfilmagem vêm sendo gradativamente substituídos por armazenamento ótico, devido ao preço convidativo dos gravadores de CD-ROM e outros meios digitais baseados na tecnologia laser. Eles funcionam mais ou menos assim: usando um digitalizador de imagens ("scanner") as páginas são escaneadas e armazenadas em um disco ótico gravável. Um software especial indexa e organiza as páginas. O acesso é muito mais sofisticado do qu e em um microfilme, pois além de ser em tempo real, pode utilizar palavras-chave e obter reimpressões com grande fidelidade. Usando scanners profissionais de alta velocidade, o sistema pode ser ainda mais rápido de documentar do que qualquer outro.
Um microfilme pode durar 50 anos ou mais, portanto é bem confiável, principalmente se mantido em boas condições de temperatura e humidade. Acreditava-se, na ausência de dados mais completos, que um CD-ROM durasse 100 anos ou mais. Isso é verdade, mas depende também de duas coisas: o grau de qualidade de sua fabricação e as condições de manutenção do disco. A informação que dura apenas dois anos vale apenas para discos CD de baixa qualidade, mantidos em temperaturas superiores a 40 graus e humidade superior a 80 % (uma verdadeira estufa, portanto) e em ambiente livre de poeira ou fumaça. Como o CD é constituido de uma fina película de alumínio depositada sobre uma base de plástico, essa película pode sofrer erosão gradativa e perda de bits em vários pontos, se as condições não forem ótimas. Em condições normais de armazenamento (entre 20 e 25 graus e entre 20 e 30 % de umidade, um CD-ROM dura mais de 50 anos, e se for de boa qualidade, até 200 anos.
Além disso, existe uma grande margem de erro nos testes, e a durabilidade dos CDs pode ser maior ainda. É que a longevidade é estimada (extrapolada) a partir de testes onde se "acelera o tempo", ou seja, usa-se altas temperaturas e humidades por um curto período de tempo, e se calcula quanto duraria em condições mais amenas. O problema é que muitas vezes não se pode fazer isso com todos os meios digitais. A curva de tempo não é linear.
Em conclusão, acho que não há motivos para sustos, mas é importante ter-se em conta esse fato, que poucos usuários sabem, que o CD-ROM precisa ser armazenado em boas condições para ter maior longevidade.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 19/5/98.
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br