Esta pergunta foi respondida pelo Professor Marvin Minsky, que deu uma concorrida palestra no Congresso Internacional de Tecnologias Inteligentes e Redes Globais de Informação (Inet’98), na semana passada em São Paulo (http:/www.relacon.com/inet98). Minsky, considerado um dos mais geniais cientistas do século por suas contribuições à Informática, foi um dos pais da Inteligência Artificial, um ramo da computação que tem por objetivo estudar e desenvolver modelos para representação do conhecimento em máquinas e de simulação da capacidade intelectual de seres humanos através de software. Ele fundou na década dos 70s o não menos famoso Laboratório de Inteligência Artificial do MIT (Massachussetts Institute of Technology, em Cambridge, EUA), um celeiro de cérebros em muitas áreas. Entre outras coisas, Minsky construiu a primeira rede neural artificial em hardware, estabeleceu as bases da robótica (a ciência que estuda o desenvolvimento e aplicação de robôs inteligentes – foi ele que inventou o termo, aliás) e deu início a uma das linhas mais férteis de pesquisa na área. Entre seus discípulos estão os homens e mulheres mais influentes do mundo em Inteligência Artificial, tanto na universidade quanto nas empresas (veja sua home page em http://www.ai.mit.edu/~minsky/minsky.html).
O Prof. Minsky deliciou a todos os ouvintes com seu estilo informal e altamento criativo, denotando uma mente original e poderosa. Seus principais interesses nos últimos anos têm sido o de, como ele mesmo diz, "tornar os computadores menos estúpidos". E eles ainda são realmente muito estúpidos. Uma criança de quatro anos de idade é capaz de realizar proezas que nenhum supercomputador atual é capaz, como por exemplo entrar em uma sala e rapidamente catalogar a cena, classificar os objetos, dar nomes a eles, e se orientar com grande precisão. Os computadores são capazes de resolver sistemas complexíssimos de equações matemáticas, mas nenhum deles é capaz de servir um simples copo d’água, ou arrumar a cama. Nenhum robô tem a agilidade e a destreza de uma criança de dois anos. E assim por diante.
Antes de chegar ao ponto de explicar porque ele acha que os computadores poderão ter uma consciência, no futuro, o Prof. Minsky explica que um componente importante da inteligência natural e do conhecimento está faltando nos programas de computador atuais: é o chamado "common sense", ou conhecimento comum, que todas as pessoas têm, mas não sabem que têm. Existem milhões de coisas que sabemos, e que constituem a base natural da inteligência genérica. Por exemplo: qualquer criança sabe que para mover um objeto é preciso puxá-lo ou empurrá-lo, e que não adianta pedir "venha até aqui, por favor". Um computador não sabe essa coisa tão elementar. Todo mundo sabe que se soltar um objeto que segura nas mãos, ele cairá em direção ao chão (a não ser que seja um balão de ar quente ou hélio, quando então subirá, ao invés de descer).
Ninguém sabe o que é consciência, nem como ela é gerada pelo cérebro. As emoções, o conhecimento de si mesmo, a memória de fatos passados, a autopercepção, tudo isso parece se combinar num "todo" ao qual chamamos de consciência. Por outro lado, "perder a consciência" significa ficar privado momentâneamente dessa capacidade. Assim, a consciência seria um produto de um determinado tipo de atividade cerebral integrada, que exige o funcionamento concomitante e cooperativo de muitas partes do nosso sistema nervoso. A consciência seria uma espécie de "software" do nosso "hardware", que são os circuitos de células nervosas, o que os filósofos chamam de uma "propriedade emergente" (algo que aparece a partir da atividade conjunta de um certo número de partes elementares, e que é maior que a soma de suas partes).
Assim sendo, se conseguirmos fazer uma máquina, ou seja, um cérebro artificial tão complexo quanto o nosso próprio cérebro, existe uma grande probabilidade que ele tenha consciência e emoções. Terá, portanto, uma personalidade definida, como qualquer um de nós. Tudo depende de como esse software será feito. Um computador atual tem muito pouca inteligência como a humana, mas Minsky é um dos que defendem que existem maneiras de conseguir isso sem ter a necessidade de construir um hipercomputador qualquer. Ele acha, por exemplo, que todo o "common sense" de um adulto médio ocupa um espaço menor que um CD-ROM. E que um simples PC 386 (lembram-se ?) seria suficiente para implementar inteligência e consciência, desde que o programa seja correto. Existem., é claro, pessoas que não acreditam nisso, inclusive muitos cientistas. Eles acham que existe uma diferença irredutível entre cérebro e mente, e que a mente é "algo mais" do que o produto de uma máquina, seja ela biológica ou não. São os chamados "dualistas", ao contrário dos "monistas" (entre as quais o professor Minsky se enquadra). É uma questão de fé ! Todas as pessoas religiosas que acreditam em uma alma dada a nós por um Deus, e que o espírito é independente da matéria, são dualistas. Mas existem formas mais refinadas, mais intelectuais, materialistas, de dualismo.
O problema é que existem pouquissimos pesquisadores e centros universitários empenhados em descobrir como deveria ser esse programa, como colocar consciência e "common sense" em um computador. Minsky é um deles (devem existir entre 5 a 10 pessoas no mundo como êle, nessa área).
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 02/06/98.
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br