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Internet para os pobres

 

Renato Sabbatini


A Internet domina hoje o centro das atenções da mídia e da "nova economia", baseada no comércio eletrônico. É possivel acreditar, lendo as manchetes das revistas e jornais que o mundo está mudando radicalmente, e com uma velocidade espantosa.

Nada mais longe da verdade. Esse é apenas o resultado de um efeito psicológico curioso: a elite faz as notícias, e a elite está passando por essas mudanças, então o mundo todo também deve estar. No entanto, infelizmente, apenas 2% da população mundial tem acesso à Internet. Mais de 80% dos habitantes do planeta nunca usaram um telefone, e cerca de 95% nunca usaram um computador, quanto mais a Internet. No Brasil, apesar de todo o alarde (da elite), apenas as classes A e B têm acesso à Internet, cerca de 4,5 milhões de pessoas em um universo de provavelmente 20 milhões. Aliás, existe uma estatística impressionante em nosso país, que pouca gente conhece: apesar de mais de 90% dos 6 mil municípios brasileiros terem acesso à TV e rádio, apenas 350 têm conexões a pontos da rede Internet!

As disparidades são mais do que evidentes: tendo apenas 4,7% da população do mundo, os EUA e o Canadá têm 57% dos usuários. A Europa tem 21,7% e os países ricos da Ásia, como o Japão, 17%. A África, com 740 milhões de habitantes, e que tem no total um número menor de linhas telefônicas do que Manhattan (sendo que a maioria delas concentradas em apenas 6 paises) comparece com apenas 0,3% dos usuários mundiais da Internet, ou seja, cerca de um milhão, menos que no estado de São Paulo.

Tudo isso se correlaciona com riqueza, civilização, tecnologia, alfabetização, acesso à educação. O país mais pobre da África, Burkina Faso, tem menos usuários da Internet do que a UNICAMP. A população é rural e analfabeta (85%) e tem dificuldades para sobreviver.

Mas a "disparidade digital" (o que os americanos chamam de "digital divide" ou a grande divisão digital entre os que têm e os que não têm acesso às tecnologias computacionais e de redes) também existe nos países mais ricos. O governo Clinton está muito preocupado com isso: nesta semana ele anunciou um programa de 30 milhões de dólares que vai dar início a um grande programa de voluntários para tentar reduzir esse abismo na sociedade americana. As linhas da divisão digital ocorrem a grosso modo nos mesmos pontos das divisões econômica e educacional: enquanto 35% dos lares brancos têm computador e acesso à Internet, apenas 19% dos negros e 16% dos hispânicos têm. A cidade de East Palo Alto é um exemplo interessante: de um lado da rodovia que interliga as maiores empresas do "Vale do Silício", a fabulosa incubadora da nova economia, estão a Universidade de Stanford e pequenas comunidades ricas, como West Palo Alto, onde a média salarial é de 4 mil dólares por mês. Do outro lado, a menos de 5 km de distância, mais de 20% dos moradores vivem abaixo da linha de pobreza e nunca usaram a Internet. Não é uma diferença tão dramática quanto a que separa a Favela da Rocinha e os condomínios milionários de São Conrado no Rio de Janeiro, mas é quase.

O acesso gratuito à Internet vai mudar esse quadro? É pouco provável, se nada mais for feito. A dificuldade para o pobre começa muito mais embaixo: saber ler e escrever bem, ter um computador e saber usá-lo, ter uma linha telefônica e poder pagá-la, ter motivação para a busca de informação e aprendizado. Nenhuma dessas coisas vêm de graça, atualmente, portanto Internet gratuita vai resolver muito pouco, a curto prazo.

O que as empresas de Internet gratuita devem fazer, assim como o governo, as entidades não governamentais dedicadas à educação, e a própria população aquinhoada com o privilégio de ter acesso à tecnologia moderna, é ajudar as classes C e D a atingirem o ponto em que a Internet poderá ser uma ferramenta poderosa para a sua ascensão social. Nos EUA, a sociedade civil é famosa pela sua capacidade de organização em favor de causas sociais. Já se formaram vários grupos de voluntários em todo o país, como o PowerUp, o TechCorps e o AmeriCorps (beneficiados com verbas do governo, mas também movidos a doações de particulares), que estão indo às escolas públicas de bairros pobres, ajudando a equipá-las com computadores, formando professores, dando suporte técnico, achando empregos para os alunos e até dando aulas. As empresas de Internet gratuita estão começando a doar computadores para centros comunitários e escolas, e até a financiar computadores a preços subsidiados.

Tudo isso também já está começando no Brasil também, como mostra o exemplo do jovem Rodrigo Baggio, no Rio, que colocou centenas de laboratórios de ensino de computação nas favelas, e mudou a vida de mais de 20 mil pobres. Mas é preciso fazer mais, muito mais. A Internet no Brasil nunca vai ser o motor da "nova economia" se as classes de menor poder aquisitivo não forem integradas à grande rede. Para as empresas, é uma questão de sobrevivência, por isso todo mundo precisa ajudar a diminuir a "grande divisão".
 

Recursos na Internet


Yahoo! Digital Divide. http://dir.yahoo.com/Social_Science/Science__Technology__and_Society_Studies/Digital_Divide/

AmeriCorps: http://www.cns.gov/americorps/digital/

PowerUp: http://www.powerup.org

TechCorps: http://www.techcorps.org

Project F.I.R.S.T: http://www.projectfirst.org/



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 7/4/2000 .
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